O paradigma do crescimento econômico
Este texto é parte de uma série sobre Sustentabilidade e Capitalismo.
Racionalidade e objetividade são características, em geral, bastante apreciadas e buscadas pela maioria das pessoas. A capacidade de pensar racionalmente é, na verdade, a principal diferença entre seres-humanos e outros animais, e é apontada como o grande motivo da ‘supremacia humana’ no planeta. A razão nos permite chegar a conclusões a partir de suposições, resolver problemas, encontrar coerência ou contradição entre conceitos e, assim, descartar ou formar novas ideias. Mas até que ponto a racionalidade é limitada ou influenciada pela visão de mundo de cada um? Como os paradigmas afetam nossa capacidade de pensar?
O dicionário Aurélio da língua portuguesa define paradigmas como modelos que, por período mais ou menos longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas suscitados. Em outras palavras, é um conjunto de suposições, conceitos, valores e práticas que constituem uma maneira de visualizar a realidade e interpretá-la. Nas ciências sociais, o termo é usado para descrever o conjunto de experiências, crenças e valores que afetam o modo como um indivíduo percebe a realidade e como o mesmo responde a ela.
Paradigmas são, portanto, o alicerce da nossa visão de mundo e acabam influenciando o modo como definimos, percebemos e respondemos a tudo. Nas ciências sociais, entretanto, a limitação de um paradigma — a de se pensar dentro de um conjunto pré-definido e limitado de suposições — pode não ser tão apropriada. Ela pré-condiciona o modo como analisamos os mais diversos problemas e não permite um pensamento verdadeiramente inovador, que altere o paradigma básico da sociedade e das pessoas que a compõem.
Os paradigmas também estão presentes nas ciências econômicas. “Os manuais de economia contêm os modelos utilizados para que se aprenda o funcionamento do mundo econômico. Assim como na medicina os professores usam réplicas de plástico do corpo humano, na economia são os diagramas e as equações que permitem uma visão do que é considerado realmente importante.” (Cechin, 2010). Pelo fato de se precisar estruturar e capsular o conhecimento para facilitar a transmissão a novos estudantes, é comum omitir-se o que há de mais avançado sendo produzido na disciplina. Há, assim, uma perpetuação, talvez involuntária, de uma visão particular do processo econômico. “O estudante descobre […] uma maneira de encarar o problema como se fosse um problema que já encontrou antes”.
É necessário, assim, reconhecer que somos todos influenciados por uma visão de mundo que nos foi transmitida ao longo de toda a nossa vida, de nossas experiências e aprendizados. Uma vez conscientes dessa influência, é preciso desvincular-se das mesmas, ao menos temporariamente, para possibilitar ideias diferentes, inovadoras.
Mostra-se necessário explicitar essa influência dos paradigmas pelo fato de que o crescimento, conceito-chave da discussão que se segue, faz parte desse conjunto de valores sob os quais vivemos e que raramente são questionados. A palavra crescimento, e todas as suas implicações, está presente nos mais diversos aspectos de nossas vidas, define o modo como vivemos e como pensamos.
O crescimento é raramente questionado.
Há, no “espírito” do capitalismo, uma busca incessante pelo crescimento. Crescimento econômico, crescimento dos lucros, crescimento das exportações, crescimento do poder de compra. Na esfera pessoal, busca-se o aumento da riqueza, maiores rendimentos financeiros, acúmulo de riqueza mobiliária e imobiliária. Crescimento é uma parte integrante e definidora do modo de produção e de vida para o qual nossa sociedade evoluiu nos últimos séculos. Por isso é essencial entender a natureza do crescimento.
A natureza do crescimento
Entender o que significa crescimento, embora aparentemente trivial, mostra-se bastante importante. E além de seu simples significado, é ainda crucial entender quais são as implicações desse fenômeno em um contexto econômico-ambiental.
Muitas pessoas talvez estejam acostumadas a pensar no crescimento como um processo linear, pelo qual uma quantidade aumenta em unidades constantes em um período constante de tempo. Se uma criança, por exemplo, cresce dois centímetros por ano, ela está crescendo de maneira linear. Se o preço do pão aumenta dez centavos a cada semestre, ele também está crescendo linearmente.
Entretanto, crescimento linear é um fenômeno raro na economia. Constatam-se, nas mais diversas áreas, aumentos que se caracterizam por uma elevação percentual a cada período de tempo. Tal padrão resulta não em uma função linear, mas sim em uma função exponencial. “Tal comportamento é um processo bastante comum em sistemas biológicos, financeiros e muitos outros. Por mais comum que seja, contudo, crescimento exponencial pode produzir resultados surpreendentes.” O fato é que aumentos deste tipo “são enganosos porque geram números imensos de maneira extremamente rápida” (MEADOWS, 1970).
É interessante e esclarecedor, ainda, entender o crescimento exponencial em termos de tempo de duplicação. A tabela a seguir exibe o tempo de duplicação para alguns valores de porcentagem que vemos frequentemente nos
jornais.
Nota-se, assim, a rapidez com que quantidades podem duplicar-se, dadas determinadas taxas de crescimento. Este não é um resultado trivial, sem muitas implicações, sem muita importância. Pelo contrário, ele demonstra que toda e qualquer coisa que cresça a qualquer taxa percentual positiva, em algum momento do futuro ela se duplicará, e depois se duplicará novamente e assim por diante.
Mantenha esse resultado em mente. Nos próximos artigos vamos contrapor a realidade exponencial do crescimento econômico ao fato de que os recursos utilizados para sua concretização são limitados pela natureza, pelo planeta em que vivemos.
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